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Bom, eu fiquei confusa.
Sou imprevisível, sabe? Eu simplesmente mudo de opinião do nada.
Comecei a me sentir promíscua, suja, vazia...
Vagabunda!, Eu gritava ao me ver no espelho.
Quem era aquele homem?, ou melhor, o que aquele homem virara? Será que o meu envolvimento com ele seria sadio? Será que eu deveria mergulhar nessa aventura?
Era nisso que eu pensava enquanto ia para casa naquela madrugada. Mas, droga!, olhei pro ceú e vi... a lua. Estava ali, meia-lua. Linda e perigosa. Arma indireta. Exigente. E me transformei.
O cheiro não vinha de longe. Era uma garota, eu sentia. Jovem. E, pela velocidade da sua respiração, ou estava com medo, ou estava cansada; ou os dois, enfim. Coloquei luvas, eu sempre as tenho comigo.
Fome.
Em alguns segundos já a segurava pelos cabelos.
Fome exagerada.
Tanto que nem procurei dizer um oi, dar boa noite.
Fome, tanta fome.
Que lhe agarrei pelo pescoço e o quebrei. Depois cortei seu braço esquerdo e o mordi ferozmente. Mas o braço matou minha fome e só aí me dei conta de como eu fôra monstruosamente malvada. Foi só um braço por uma vida. Um braço que viveu, que tantas vezes abraçou, apoiou, forçou, protegeu. E agora, era só carne.
Aquela menina ali, cara de uns 12 anos, sangrando num beco, sem braço. E eu imunda de sangue querendo voltar no tempo. Resolvi revistá-la. Ela tinha uma bolsa, uma carteira. Em seus documentos vi seu nome. Margot Jordani Bello. Aquele sobrenome não me era estranho. Será que ela era minha aluna?
Chuva.
Perfeito, era o que eu precisava. Antes de que a chuva engrossasse, pensei. Tirei de minha bolsa um plástico negro grande e uma tesoura. Cortei-lhe os cabelos e arranquei o seu braço direito. Coloquei tudo no plástico e saí. Deixei a garotinha ali, banhada de sangue e de água. Andei rápido, fui sagaz. Como sempre, eu me esquivava e me escondia quando passava alguém. Havia um caminhão estacionado em uma avenida. Coloquei o plástico preto dentro dele, atrás, junto à carga. Mais uma vida estragada, a do caminhoneiro. E, finalmente, tomei um táxi. Afinal, estava hospedada longe dali.
No dia seguinte, Ben, que se chamava Arnold na verdade, apareceu bem cedo a minha porta. Não o havia chamado, nem o endereço, dito. Mas ele era esperto, bem esperto. Não tanto quanto eu, porém, esperto.
- Oi Nick, saudades?
- Você é tão... previsível. Entra aí, mas não se assuste: estou horrível.
- Ah, certo. Quando vou te ver bonita, então? E que pijama é esse, hein?! Assim você me mata.
- Sem brincadeiras com meu pijama de bolinhas, ta?, se quiser continuar aqui... Ta com fome?
- De que?
- Tem fruta na geladeira, se você quiser.
- Tem carne?
- Não, mas meus vizinhos são totalmente inconvenientes, pelo que parece. Se você quiser me fazer o favor...
- Engraçadinha...
- Palhaço...
- Quando você vai embora?
- Só vou tomar um banho e...
- Quer companhia?
- Não. - Tranquei a porta.
Enquanto tomava banho, ele ficou na sala vendo televisão. De repente, começou a aumentar o volume, o que me chamou atenção. O que ele queria que eu escutasse?
- Margot Jordani Bello, 13 anos, 1,46m, loira, olhos castanhos, desaparecida na madrugada de hoje. "Nós havíamos brigado, ela fugiu de casa enquanto eu dormia, mas ainda não voltou. Sei que já era para ter voltado. Ela sempre faz isso, sempre foge, e sempre volta uma hora depois, por brigas até mais graves. Se alguém a vir peço, por favor, que tente entrar em contato..." Diz o detetive Kevin Jordani Bello, pai de Margot. A polícia ainda não tem nenhum sinal da menina, mas...
Droga! Televisão? Filha de detetive? E logo de Kevin JB? JB, sim, eu o conhecia. Havíamos estudado juntos por muitos anos. O que a vida reservava para mim? Primeiro Arnold, agora Kevin.
Saí do banho naturalmente.
- Você ouviu aí? Era o velho JB. Não é que ele enriqueceu? Virou 'detetive.' Han, eu não dava nada por ele. A filha dele sumiu, né? Que peninha.... que peninha de quem a sequestrou.
- Sequestraram-a? Como foi isso?
- Você não ouviu?
- Não.
- Nada?
- Nada.
- Bom, deu no jornal que a raptaram. Que só foi o pai vacilar, que ela correu pruma rua escura e sumiu. Não tinha como ela sumir, né? O JB ainda viu a silhueta da pessoa, mas ele não comentou. Só disse que já está bem próximo de encontrar... sei lá. Você não tem nada a ver com isso não, né?
Idiota! Que mentira! Não falaram nada disso. Ele queria me amedrontar? O que será que ele pretendia? Será que andou me seguindo de novo?
- Claro que não, ontem eu estava com você, lembra?
- Mas foi de madrugada.
- De madrugada? E o que o JB fazia a pé com a filha de madrugada? Muito esquisita essa sua história. Eu hein...
- Deu no jornal, ué.
- Hum... deixa pra lá. Não temos nada a ver com isso.
Fomos embora. Um para cada lado. Nos despedimos com um beijo e, antes de ele virar completamente as costas, vi um sorrisinho irônico naquela boca vermelha. Ali tinha coisa, ele sabia de algo com certeza.
Cheguei, tirei os sapatos, as roupas, entrei em um roupão e fui para a banheira, eu estava ainda me sentindo suja pela noite anterior, mas, antes de que eu pudesse abrir a torneira, a campainha tocou. Que saco! Arnold não iria largar do meu pé nunca? Fui atender mesmo vestida daquele jeito,cabelos soltos e bagunçados, roupão transparente, e ainda dando um laço com sua fita para me cobrir.
- Arnold, o que você ainda quer?
- Arnold? Não é assim que me chamam...
E não é que era o sr. Jordani Bello ali, a minha frente? Deixei a fita cair. E a boca também.

O tempo foi passando, no entanto, não posso dizer que fui esquecendo do meu suposto companheiro de atividade. A concorrência parecia estar crescendo por ali. E o pior é que o Cara era burro! Sempre deixava rastros. Ou, pior ainda, podia fazer tudo de propósito. Unir o útil ao agradável, comer bem, sem precisar se preocupar com o fim que levariam os restos ou na falta que dariam da vítima, e ainda sobraria pra mim, pois ele andava caçando na 'minha área'. Eu, pelo menos, depois de um tempo como 'canibal' (ai, é tão estranho usar essa palavra, ela me soa tão 'monstruosa'), sempre tomava os devidos cuidados com o fim que levaria o corpo, etc. Primeiramente, pensei em fazer parecer que o indivíduo havia cometido suicídio, mas isso nem de longe explicaria a falta de certas partes do seu corpo, e eu não matava por prazer, era o meu alimento. Então, sempre envolvia o 'defunto' em acidentes forjados, e não fazia nenhum grande estrago ao que restava dele. Sempre apenas o suficiente para explicar a ausência de algum membro. Mas o idiota não! Ele parecia fazer questão de sumir com alguém, e deixar a vítima desaparecida, sem nenhuma pista de acidente ou algo do tipo. E a polícia já estava caindo em cima, e pra quem iria sobre? Pra mim! Porra! Eu tinha que tomar uma providência.
O tempo não trouxe só isso de complicação. Eu acho que voltei a ser mais humana. Criei consciência de que o que eu fazia não era bom, de jeito nenhum. Nada a ver com religião, nunca concordei que os dogmas salvam alguém, só acho que eu tinha sentimentos humanos o suficiente para concordar que uma pessoa que encurrala, mata, come, e dá um fim inesperado a outras pessoas só pode ser considerada monstruosa. Sem contar com as vidas nas quais eu coloco pontos finais, como se tivesse o direito. E quando falo de vidas, não é só sobre o fato de estarem vivas, e sim, de terem toda uma história, família, lar. Então limitei ainda mais meus critérios de escolha do menu. Procurei, não querendo ser uma 'justiceira' ou algo do tipo, caçar pessoas apenas que faziam constantemente algum mal à sociedade. Que abusavam sexualmente, coisas do tipo. Isso não justificava meu crime, porém era um consolo.
Eu também havia percebido que, não importa o quanto eu achasse que o que eu estava fazendo era relativamente errado e quisesse parar, às noites de lua eu me transformava, não havia como evitar. Ia atrás do alimento como um tubarão desesperado atrás da presa.
Envolta nesse manto de dúvidas, e estranhamente me sentindo interessada pelo homem misterioso que havia me contrariado seriamente naquele dia, resolvi dar algum passo. Montei em minha cabeça algum tipo de armadilha para poder encontrar diretamente com ele, e não com seus rastros, uma segunda vez. Era fácil, era só pensar naturalmente no que ME atrairia com facilidade, ele também era, aparentemente, um canibal, portanto, cheio de fome e necessitado de adrenalina e sangue para se saciar.
Quase de madrugada resolvi passear pelas ruas escuras do 'meu território'. Não havia medo em mim de alguém que pudesse vir a me assaltar ou algo pior, aquela peculiaridade, estranhamente, me fazia ser uma mulher três vezes mais forte do que as outras 'normais'. Eu sabia bem como encurralar alguém, alguém não me faria isso com facilidade. Eu andava apressada, como se o medo me tivesse tomado, para melhorar meu disfarce. Torcia para que ele ainda não tivesse jantado, e estivesse ali, à espreita. Não podia dar várias voltas, seria muito óbvio. Só dava certo passar uma vez; eu passei e ele não apareceu. Repeti o plano pelo menos 10 vezes. Talvez ele soubesse, afinal, para saber onde eu caçava constantemente, ele deve ter me observado bastante. Quem disse que não fazia mais isso? Quem disse que não sabia de tudo antes de eu mesma saber? Quem disse que não havia presenciado tudo e me seguido até em casa sem que eu notasse? Quem disse que ele não podia ser um companheiro de trabalho, um vizinho, um ex-colega de colégio? Mas o que custava arriscar? Eu sempre mudava de território, depois de um tempo. Ele parecia me seguir, as pessoas sempre desapareciam no último lugar onde eu tinha fisgado alguém, e não quem eu pegava. Então, era bem provável que ele soubesse de mim mais do que eu pressupunha. Mas preferi confiar na sorte e continuar tentando; ele podia estar sondando a vítima, achando estranho ela começar a andar por ali do nada, ou vai que ele se interessava mesmo sabendo que era eu. Eu me interessaria.
Certa noite, fiz um plano diferente. Comprei uma passagem de ônibus, e disse para todo mundo que passaria uns dois dias fora. Chamei uma prima que faria aniversário em breve e disse que pagaria para ela um final de semana na cidade vizinha, todavia, ela teria que chegar lá com meus documentos, porque, de acordo com minha mentira, eu também queria descansar do trabalho e ia dizer que iria viajar. Então ela foi no meu lugar, eu me hospedei em um hotel do outro lado da cidade, comprei uma peruca bem comum e me vesti de um jeito diferente do meu. Fui de táxi até o lugar da armadilha e passei por lá mais uma vez. Alguma coisa me dizia que todo aquele investimento valeria a pena. E não é que valeu!
Dei uma volta e nada. Resolvi, pela primeira vez, tentar a segunda, como quem voltava da casa de um amigo que havia saído, decepcionada. Ele surgiu na minha frente, quase me assustei, mas me fingi bem assustada. Nossa!, não lembrava de como ele era bonito. Entendi bem o porquê de eu ter cedido à sua tentação em nosso primeiro e único (até então) encontro, porque carente eu nunca fui.
- Oi bonequinha- que falta de originalidade!, pensei. - O que você anda fazendo uma hora dessas longe da cama? - Novamente, bem clichê.
- Eu não sou um bebê, o que você quer? Deixe-me passar, por favor.
- Até parece! Você, tão linda, passando assim no 'meu território' - fiquei puta da vida, o território era MEU, mas ele não pareceu ter falado aquilo de propósito. - Até parece que eu vou te deixar sair assim. E não me referi à sua cama, meu bem. E sim à cama de seu namorado.
- O que você quer, ein? Dinheiro? Eu dou, mas por favor me deixe ir. - Eu fingia suplicar.
- É, você pelo visto não entende meu negócio. Ah vai, se você me divertir e prometer voltar eu posso até deixar você ir, depois. Mas não venha me enganar, eu posso estar bem atrás de você quando você menos esperar.
- Como assim 'me deixar ir'? Você pretende não me deixar ir hora nenhuma?
- Se você for uma menina má, não deixarei. Ou se for sem graça...
- Por favor, não faça nada comigo. Eu tenho família, amigos, um trabalho, uma vida bem longa e...
- Quem disse? Não somos nós quem decidimos isso, meu bem. A vida não é como um passeio que você decide quando começa e quando termina. Quem vai decidir isso hoje sou eu. Eu realmente me sentiria muito mal se tirasse você desse mundo. Essa vida tão precária de mulheres bonitas como você.
- Você só pensa em sexo? Porra! Eu não sou só um corpo. - Ele pareceu se surpreender comigo; uma vítima à beira da morte, se importando com o valor que o assassino me dava.
- Você não sabe o que eu quero de você. Quem disse que eu quero sexo? Não posso querer a companhia de uma mocinha bonita, apenas? Você vai passar essa noite comigo, será minha coleguinha, -ele riu- depois prometo deixá-la ir. Não vou te morder meu bem. -ele riu de novo, sorriu, um sorriso lindo, sexy, sedutor, provocante- Só se você quiser.
Bom, se eu realmente fosse vítima não tinha escolhas.
- Para onde você vai me levar?
- Calma querida, será um lugar onde teremos bastante privacidade. Eu não vou forçar você a nada, mesmo que você não acredite em mim, mas você não tem opções então irá comigo. Às vezes eu só preciso de alguém pra conversar.
- Eu não sou sua terapeuta. Ah, chama sua mãe.
- Menina má, eu sendo tão educado e você me tratando assim.
De repente, ele agarrou-me e pôs em frente ao meu nariz um pano com um cheiro muito forte, na certa era para eu desmaiar, mas, juro que não sei porquê, não funcionou. Eu apenas fingi que tinha sido eficaz e caí em seus braços. Ele me levou até um táxi.
- Meu bem, quem mandou você beber tanto? - Fingia falar comigo e me apoiava em pé com um braço meu em seu ombro, como quem está quase caindo de sono. - Boa noite, motorista. Por favor, leve-nos a esse endereço.- Entregou um papel ao taxista e o carro partiu.
Quando ele tentou me reanimar com outro cheiro forte, e novamente eu fingi reagir, estávamos em um apartamento.
- Qual é seu nome? - Perguntei.
- Bom... você pode me chamar de Ben.

- Esperava algo melhor, juro.
- Eu não escolhi meu nome, querida.
- Ah tá, como se eu acreditasse que esse é seu nome verdadeiro.
- É sim, acredite ou não.
Conversamos bastante durante a noite. Eu fingia que apesar do medo estava tentando ser simpática. E, inacreditavelmente, ele me falou de mim. Mas não da personagem, de mim mesmo, de mim mesma. Nícole Green, a professora de criança da pequena escola primária do meu bairro. Juro que ele realmente não sabia que era eu ali, à sua frente.
- Eu a observava muito, antes. Ela costuma ter hábitos parecidos com os meus... é ... Mas eu resolvi esquecer, cuidar da minha vida. Ela é diabólica. Só que eu quis chamar sua atenção, não consegui esquecê-la, nos estudamos juntos, sabe... e fiz umas coisas que acho que a deixaram puta comigo, e ela apareceu. - Chegamos nesse assunto depois de sua quarta ou quinta taça de vinho, eu estava bem amarrada em uma cadeira. - Mas eu hesitei por um tempo, e agora ela sumiu. Soube que viajou, sei lá. Não sei bem o porquê de me sentir atraído por ela. Não que ela não seja atraente, é bastante. Por isso eu te trouxe aqui, você me faz lembrar a Nick. Da vezes que nos vimos ela não me reconheceu, nós transamos e nossa! Foi fantástico, mas eu não queria ser muito idiota e tinha que salvar minha vida, é você não vai entender... Então eu fui embora. E ela me odiou e odeia, eu acho. Mas porque eu estou te falando isso? Sou forte, cara, sou forte...
Daí ele caiu num sono.
- Ei, ei! Por favor pode acordar e me deixar ir embora?- Mas ele não acordou e eu não pude dormir, vai que ele acordava antes e tirava minha peruca...
Depois de umas horas, ele levantou e eu fingi que olhava pro nada, só esperando ele acordar.
- Quem é você?- Ele perguntou.
Eu pensei em mentir, e mentiria muito bem. Sairia dali sã e salva, mas meu instinto respondeu por mim e as seguintes palavras saíram da minha boca automaticamente:
- Nícole Green. Aqui, à sua frente.
- O que? Você está drogada? Quer brincar comigo é? É sua fantasia? - Daí, antes que pudesse responder ele me amordaçou, me desamarrou e me jogou na cama.
Era forte, e eu também. Eu poderia mostrar isso para ele ter certeza de quem eu era, porém se eu tinha a força de três mulheres, ele tinha a de três homens.
- Você é bem safada! Dizendo que não queria nada, mas agora pedindo pr'eu comer você. E ainda que fazer teatrinho. Quer que eu te chame de Nick, também? Você vai ser minha boneca inflável.
Em um minuto eu estava nua e ele estava dentro de mim. Não procurei mais resistir, me entreguei. E foi muito bom, o fato de ele me chamar pelo meu nome me soava tão bom.
Depois ele tirou minha mordaça. Estávamos nus, deitados.
- Eu que devia ter te comido quando tive a chance. Como você diz que pensa tanto em mim e não me reconhece?
- Você ainda quer brincar de Nick? Ei, como você sabe que ela ia me c...? Nícole, é mesmo você! Como não te reconheci. Eu andava vendo você em todas as mulheres, achei que fossem as drogas...
- Porque você tentou me foder? Se a polícia batesse à minha porta?
- Você é esperta o bastante.
- Você é agradável, poderia ter me procurado antes.
- Você duvidaria de mim, eu não quero que te peguem.
- E agora? Já está saindo nos jornais sobre os sumiços.
- Nós podemos ir embora daqui.
- Nós? Não há nós. E eu tenho toda uma vida aqui.
- Ah, sim, há NÓS. Caso contrário, você ficará em maus lençóis. Eu sou agradável, Nick. Pense assim.
- Você é atraente também.
- É, isso... entre no jogo.
- Você quer me comer?
- E não foi o que acabei de fazer? - Ele riu.
- Idiota! Você quer me jantar?
- Não, eu quero te preservar. Você quer me jantar?
- Não, eu gosto de transar com você.

Acendi um cigarro que dividimos e depois saímos. Acho que aquilo tudo deu fome.

O faro, meu grande aliado
O sigo escondida, o vejo parado
As vítimas, ao poucos, se reduzem a eles
Os homens, tão insignificantes seres

Pela primeira vez a vítima entende
Me leva a sério, me surpreende
Que não sou apenas uma mulher indefesa
Ela percebe, é minha presa

Uma honra talvez, se olhar pelo lado
Que eu caço sozinha, não tenho aliado
Escolho a dedo o meu jantar
E nunca deixei o prato escapar

Já estou boa nisso, sou profissional
De olhos vendados não sou nada mau
E é tão divertido então perguntar:
Qual a última coisa que você tem a falar?

O menos divertido é ter que esconder
Os vestígios depois, para ninguém perceber
Que no bairro à noite, tem alguém a esperar
Você dar bobeira e ser o jantar.

Talvez a minha fama tenha se espalhado
O homem não foge, já está conformado
E antes que eu faça seu sangue escorrer
Ele diz que tem um pedido a fazer

Então se aproxima, eu não tenho medo
Está determinado, só aí percebo
O que ele deseja em mim
Gostei da idéia, prefiro assim

Toca meus lábios com os seus
E não é rejeitado pelos meus
E a minha roupa tenta tirar
Não vou impedir, nem vou ajudar.

Aos poucos a vítima me convence
Aos poucos ela me vence
E estamos deitados a enlouquecer
Meu corpo por cima, me sinto tremer

Nunca havia pensado em me divertir
Dessa forma, antes de o jantar ingerir
Porque minha mãe tentou me ensinar
Que com comida não se deve brincar

Enfim eu lhe digo: é minha vez
Feche os olhos e conte até três
Ele se levanta com um sorriso de canto
O que talvez me trouxe espanto

E em três passos ele some
Não diz o que é, não diz seu nome
Só ao longe eu pude ouvir:
"Você não é a única canibal por aqui".

Desde que eu tinha descoberto a minha sinistra habilidade de lidar com as pessoas, tudo mudara. Além de me sentir mais 'útil', mais importante e mais interessante, a situação complicou bastante as coisas. Parecia que ao saber da minha ex vida dupla, com essa descoberta vieram muitas precauções que antes eu não precisava ter. Era como se simplesmente por saber, eu tivesse de assumir as consequências e me importar em tomar cuidados que antes eu não tomava. Das duas uma, ou as coisas só passaram a ser difíceis quando eu passei a conhecê-las, ou antes eu tinha muita sorte, e se eu queria continuar levando a mesma vida, eu teria que contar com muito mais do que sorte para me manter longe da prisão perpétua, ou de coisas piores.
Sinceramente, nunca julguei erradas minhas atitudes. Existem pessoas inúteis. Pessoas burras e inconsequentes que andam tarde da noite sozinhas na rua. Muitas dessas pessoas são aproveitadoras, acho que me tornei mais uma delas. Mas, ladrão que rouba ladrão tem cem anos de perdão.
Eu nunca tive um bom relacionamento com a família. Meu irmão mais novo sempre tirava proveito da boa vontade dos meus pais. Era insuportável e adorava humilhar a gente. Sempre que tinha uma oportunidade, Marcelo nos ferrava feio. Já perdi as contas de quantas vezes tentei me matar por causa de suas atormentações, ou de quantas vezes vi minha mãe chorando e orando para que ele mudasse, ou pelo menos fosse embora de casa. Certa noite, procurando uma vítima pelos becos escuros da minha pacata cidade, ouvi vozes e gritos. Aparentemente um homem forçava uma mulher a ter relações sexuais com ele. Me aproximei cautelosamente. Era o cheiro de Marcelo.
Chegando-me por trás, acertei uma paulada em sua cabeça, e pedi que a moça fugisse, logo na hora que minha barriga começou a roncar. Enfim, aquele desgraçado finalmente iria pagar.
Vendei-o, coloquei uma mordaça em sua boca e o levei em silêncio até minha casa que não ficava muito longe dali. Uma hora depois ele acordou. Estava amarrado a uma mesa e sangue se espalhava por todo o seu corpo. Depois de ferí-lo bastante eu o havia castrado. Coloquei o que dele arranquei dentro de um liquidificador e acrescentei bastante pimenta. Não, o suquinho não era para mim. Ele é que iria se deliciar com aquela gosma. Na ferida que ficara entre suas pernas eu derramei álcool abundantemente. Puxei uns fios de cabelo dele para retocar a bebida, e, como toque final, seus dois mamilos, o que daria aquele gostinho especial. Para forçá-lo a beber, como ele não quis cooperar, eu tive de pressionar com muita força a ferida da 'cirurgia'. Quando ele abria a boca para gritar, eu derramava tudinho lá dentro e fiz ele engolir até a última gota.
Depois, tirei fora os seus olhos, ah, eu sempre quis fazer isso com ele, desde menina. E, junto de alguns dedos seus que arranquei, enfiei na sua bunda. Ele ainda conseguia gritar, e vomitava bastante. Para dar um tempo, pendurei-o pelas mãos em uma corda e deixei que ele passasse a noite que quase se acabava, ali. Ao amanhecer eu tive que levar alguns pedaços do meu café da manhã ao microondas, e queimar o resto para não deixar a casa feder.

Eu nunca cheguei a saber se é de família, nem nunca cheguei a lembrar se foi algum trauma de infância que me deixou assim. Na verdade, eu só fui descobrir que era um monstro depois de já ter cometido várias atrocidades. Muitas vezes eu já acordei na rua, com um gosto estranhíssimo na boca, sem saber como fui parar ali, e por que minhas roupas estavam sujas e rasgadas. Depois de várias e várias manhãs acordadas assim, eu já não conseguia mais dormir. O desespero era gigante, eu tinha medo do que acontecia e do que poderia acontecer. Até um dia em que eu, ao acordar, lembrei de alguns flashes da noite anterior. Aquilo me apavorou, eu decidi interpretar como um sonho, como um sonho que queria fingir qualquer realidade para mim, para matar a 'curiosidade'. Mas, aos poucos, mais flashes como aquele vinham. Na hora do almoço, quando eu tomava banho, quando eu fazia sexo. Eu comecei a me considerar uma louca, comecei a achar que eu precisava me tratar. Que aquilo era muito real para ser a lembrança de um pesadelo. Em uma noite em que eu andava na rua, pensando na possibilidade de procurar alguma clínica, finalmente descobri o que realmente se passava...
Eu estava sozinha, a lua estava grande no céu. As ruas escuras me faziam companhia no caminho de volta para casa. Até que eu ouvi passos. Senti o cheiro de um homem vindo em minha direção. Um arrepio na espinha, eu ia me transfomando. O homem saiu do escuro e veio andando lentamente. "Oi bonequinha, tô sentindo que hoje eu vou me divertir", ele falou. Mal sabia o que o esperava. Quando o nojento se aproximou de mim, querendo sentir o meu cheiro, eu peguei um cano de ferro do chão e enfiei-o em sua barriga. Não sabia aonde eu tinha aprendido a ser tão fria. Tirei o cano do homem que primeiro caiu de joelhos e depois de lado quase morto. Levei lentamente o cano até minha boca, senti o perfume e comecei a salivar por aquele sangue a minha frente. E quando passei a língua sobre ele, um flashe inteiro, sobre tudo que eu já havia feito e sobre quem eu realmente era, passou na minha cabeça. Agora eu sabia da minha profunda necessidade de comer carne humana. Do meu vício incontrolável, que me domava, me possuia. Sabia que todas as vezes em que eu andava sozinha à noite e que a lua estava no céu, aos poucos eu me transfomava e entrava numa caçada desesperada por carne. Que eu sempre queimava o resto dos corpos das vítimas, depois de devorar suas melhores partes. E que as minhaa preferida eram os lábios, a língua. Então abaixei-me e devagar fui e até a boca do homem quase morto. Ele pensando que eu ia beijá-lo, mordi. Mordi forte, setindo mais sangue escorrer. Aquilo era delicioso. Indispensável para mim. Depois devorei mais e mais partes do seu corpo e queimei as provas depois. Alguns ossos, carne mutilada com meu canivete, um olho, tudo coberto de sangue. Fui andando para casa, vendo o sol nascer. Enxugando com a língua as gotas do líquido vermelho mais sabaroso do mundo que desciam da minha boca. E pensando em como a polícia ou algo do tipo nunca havia batido à minha porta. Ainda haviam mais coisas que eu precisava descobrir. Mas, o mais estranho daquilo, era que nada do que havia acontecido me assustava ou me fazia sentir nojo do que eu era. Canibal, em pleno século XXI.